Lula e o medo de ser vaiado na Argentina
O presidente Lula da Silva gerou uma crise com seu vizinho mais próximo. Tendo como objetivo eleger o candidato da Cristina Kirchner, aprovou dois empréstimos que não estavam programados para Argentina a poucos meses da eleição, chegou até pressionar sua ministra do planejamento Simone Tebet. Fez mais, usou Dilma Rousseff, atual presidente do Banco dos Briscs, para que a China fizesse um crédito especial a uma Argentina sem garantia de pagamento. Lula tentou influenciar as eleições num país que é aliado, aproximação que ocorreu ainda com José Sarney e Raul Alfonsin. Não satisfeito declarou apoio ao peronista Massa, dizendo que Argentina merecia um presidente democrático, sugerindo que seu adversário se aproximava de um ditador.
Javier Milei não perdeu tempo e revidou, dizendo que não impediria o povo argentino de conviver e comercializar com os brasileiros, mas que não trataria com Lula pois era corrupto e comunista. Milei venceu o pleito e, portanto, Lula e seu intervencionismo nada valeram diante da escolha dos ‘hermanos’ com frente de 14 pontos. Milei, muito ligado a Jair Bolsonaro, Donald Trump e Netanyahu, de pronto convidou os três. O ultraliberal acusou Lula de ser “comunista e corrupto” e de financiar a campanha do adversário. Tanto o PT quanto integrantes do Executivo apoiaram nos bastidores durante a campanha o candidato Sergio Massa, da União pela Pátria (UxP) e aliado de Alberto Fernández. Mas, publicamente, o governo brasileiro manteve um perfil discreto para não derrubar pontes.
Sobre o Mercosul, Milei trabalha com ideia oposta de Lula. A visão de Milei é diferente. Nas primárias de agosto, o agora presidente eleito comentou que o Mercosul deveria “ser eliminado” e o chamou de “uma união aduaneira de baixa qualidade que leva ao desvio de comércio e prejudica cada um de seus membros”. O embaixador do Brasil na Argentina, Julio Bitelli, criticou a presença garantida por um convite oficial de Milei para Bolsonaro estar na posse dia 10 de dezembro.
De pronto, o argentino mandou sua futura chanceler ao Brasil. O ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, avaliou, em coletiva de imprensa neste domingo (26), como “produtiva” a reunião com a deputada argentina eleita Diana Mondino, chanceler designada pelo presidente eleito Javier Milei. Vieira destacou que, a despeito de possíveis falas críticas ao Mercosul, o que vale são as manifestações formais e que há desejo dos dois países em fazer o bloco avançar.
“Conversamos, por exemplo, sobre a possibilidade dos corredores bioceânicos, falamos das negociações externas do Mercosul, falamos também sobre a ampliação e aprofundamento das decisões do Mercosul, tema em que temos coincidência, porque queremos um Mercosul maior e melhor para beneficiar a integração regional”, declarou o ministro.
A presidência do governo brasileiro no Mercosul vai até o dia 7 de dezembro, três dias antes da posse de Javier Milei. O novo presidente já defendeu a saída da Argentina do bloco econômico durante a campanha, mas recuou da ideia e passou a defender apenas mudanças. O Mercosul reúne também Uruguai e Paraguai contrários também ao Brasil. Um dos acordos que está sendo negociado pela presidência brasileira é com a União Europeia. Aprovado em 2019, após 20 anos de negociações, o acordo Mercosul-UE precisa ser ratificado pelos parlamentos de todos os países dos dois blocos para entrar em vigor. A negociação envolve 31 países.
Durante a reunião, Vieira recebeu o convite para que o presidente Lula participe da posse do argentino no dia 10 de dezembro. “Não há nenhum tipo de problema, de constrangimento, por qualquer natureza que seja. Os governos organizam as listas de convidados, mandam e os que quiserem aceitam, os que não quiserem não aceitam, mas também há um tratamento diferente para chefes de Estado e para convidados diretos”, disse diante da aproximação de Javier Milei e o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Na prática sabendo que fez contra Milei na eleição, o governo brasileiro trabalha com diferentes cenários sobre quem representará Lula na posse de Javier Milei, presidente eleito argentino, em 10 de dezembro. Em nenhum deles, até agora, é cogitada a possibilidade de Lula ir ao evento, segundo o Jornal Metrópoles. O chanceler Mauro Vieira deverá ser o representante do Brasil, mas nem isso é certo. Um dos fatores que será levado em conta é sobre qual será o tratamento dado a Jair Bolsonaro no evento. Caso o governo argentino não crie distinções entre chefes de Estado e seus representantes de ex-chefes de Estado, o Itamaraty avalia que Mauro Vieira possa não ir e enviar, sem seu lugar, o embaixador em Buenos Aires, Julio Bitelli. Dada a proximidade entre Brasília e Buenos Aires, é possível que a decisão seja tomada até a véspera. Milei não esconde sua preferência por Jair Bolsonaro.
O tom do convite de Milei a Lula parece repor as relações num nível adequado. Resta saber se o presidente eleito da Argentina será capaz de manter relação formal com a nova atitude que exibe. As tratativas entre Brasil e Argentina dependem a partir de agora do novo ocupante da Casa Rosada. Lula, como sempre ensaiou uma nova versão. “Lula deve se afastar de Milei sem se distanciar da Argentina”. Isto é impossível, pois Lula não tem uma relação nem aprovação com povo argentino. Lula na verdade não deve ir à Argentina com medo da certeza que será vaiado. Afinal nenhuma população gostaria de saudar um presidente de país vizinho que tentou mudar e intervir no curso da sua história.
Por Tulio Ribeiro