ALERTA BRASIL : Incorporadoras Imobiliárias travestidas de “associações pro-construção”

ALERTA BRASIL : Incorporadoras Imobiliárias travestidas de “associações pro-construção”

Um fenômeno curioso vem sendo observado no mercado imobiliário brasileiro nos últimos tempos, notadamente no segmento da incorporação imobiliária, consubstanciado na crescente oferta pública de unidades imobiliárias futuras por meio de “Associações Pró-Construção”.1 

Em algumas cidades brasileiras já são milhares de unidades imobiliárias colocadas à venda no mercado nos derradeiros anos, o que merece, sem margem para dúvida, uma acurada análise dessa prática, das suas implicações e reflexos nos adquirentes e na sociedade como um todo.2 

Inicialmente, é importante conceituar os institutos jurídicos, com o fito de estabelecer os seus limites e alcances, e, ainda, destacar as suas implicações práticas e riscos não só para os diretamente envolvidos nesse suposto “novo modelo de negócio”, mas, também, para toda a sociedade. 

Nos termos da legislação civil vigente3, uma associação é uma pessoa jurídica de direito privado, constituída pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos, ou seja, uma associação oferta produtos ou serviços aos seus associados, que titularizam posição jurídica de pertencimento, estabelecendo, por meio do estatuto, a forma de organização, participação e as respectivas contribuições para o alcance de uma finalidade comum, razão pela qual não se verifica a assimetria que é usual na relação polarizada entre fornecedores e consumidores no mercado para consumo.

Não se pode olvidar que, nos casos mais típicos, as atividades desenvolvidas pela associação são determinadas, planejadas e executadas pelos próprios associados, o que nos faz concluir que o fluxo normal e esperado – sob uma perspectiva legal – de uma “Associação Pró-Construção” seria iniciado com a formação de um grupo, desenvolvimento e aprovação de projetos com seus respectivos custos e fluxo de desembolso, e, por fim, a execução da obra por meios próprios ou mediante a contratação de uma construtora, tudo isso sem fins econômico-lucrativos, e exclusivamente em benefício dos seus associados, sem oferta pública ao mercado. 

Por outro lado, a incorporação imobiliária consiste na atividade empresarial complexa de promoção e realização de construção, para alienação total ou parcial de edificação ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, nos termos do art. 284 da lei 4.591/1964, cuja definição de incorporador está prevista no art. 295 do mesmo diploma legal. 

Melhim Namem Chalhub assim caracteriza as incorporações imobiliárias: “No campo dos negócios imobiliários, a expressão incorporação imobiliária tem o significado de mobilizar fatores de produção para construir e vender, durante a construção, unidades imobiliárias em edificações coletivas, envolvendo uma série de medidas no sentido de levar a cabo a construção até a sua conclusão, com a individualização e discriminação das unidades imobiliárias no Registro de Imóveis.”6

Orlando Gomes e Maria Helena Diniz definem a Incorporação Imobiliária como a operação que “consiste em obter o capital necessário à construção do edifício, mediante venda, por antecipação, dos apartamentos de que se constituirá”.7 

Nesse sentido, no campo das responsabilidades do incorporador, quanto ao conteúdo, assume perante os adquirentes uma obrigação de resultado, quanto à natureza, consiste em uma obrigação de fazer, composta pela construção do empreendimento e transferência efetiva das unidades autônomas aos seus adquirentes, nos termos do art. 438 da lei 4.591/1964.
Pois bem, o problema surge quando essas “Associações Pró-Construção” subvertem o curso legal e esperado de constituição de qualquer associação, notadamente quando são essas empresas que adquirem ou prometem adquirir o terreno, desenvolvem os projetos e seus respectivos custos e fluxos de desembolso, denominam os empreendimentos, criam o estatuto, celebram a assembleia inaugural de eleição do corpo diretivo, e, por fim, saem ao mercado fazendo oferta pública para atraírem adquirentes sob a denominação de “associados”, por meio de ostensiva campanha publicitária nas redes sociais, stand de vendas, e, ainda, com a contratação e remuneração de corretores de imóveis e imobiliárias. 

Essa oferta pública caracteriza-se pela publicização e prospecção de não associados, seja por meio presencial, anúncios na imprensa tradicional ou em redes sociais, veiculados com frases atrativas e com intuito de captar clientes sob a denominação de associados, como por exemplo: “breve lançamento”, “faça a sua adesão”, “venha conhecer o futuro empreendimento”, dentre outros.

Nessa quadra, a oferta pública acompanhada da reunião e coordenação dos fatores de produção com objetivo econômico descaracterizam e fulminam o preceito básico de uma associação, que consiste, como dito, na união de pessoas que se organizam para fins próprios e não econômicos, ou seja, uma “Associação Pró-Construção” tem como objetivo específico e inafastável a construção de unidades imobiliárias autônomas exclusivamente para os seus associados e não para o mercado como um todo.

Com efeito, uma vez descaracterizada essa estrutura associativa, as empresas que atuam dentro dessa dinâmica devem ser enquadradas como Incorporadoras Imobiliárias, assumindo todos os riscos, custos e carga tributária aplicável a qualquer incorporadora do mercado imobiliário. Essa descaracterização implica, também, no reconhecimento dessas empresas como fornecedoras, submetendo-as, dessa forma, à legislação consumerista, e, por tratar-se de oferta de unidade imobiliária futura, também à Lei de Incorporações (lei 4.591/1964) e Lei de Registros Públicos (lei 6.015/1973).

Qual é a relevância dessa conceituação?

Em relação aos efeitos na seara consumerista, é preciso fazer as seguintes indagações:

1) Os associados/adquirentes são plenamente informados de que “não estão adquirindo um imóvel”, e que estão, na verdade, “construindo um edifício”, assumindo integralmente todo o “risco do negócio”?

2) Estão os adquirentes sendo informados de que, na hipótese de insolvência da Associação, eles podem responder inclusive com o patrimônio próprio?

3) Os associados/adquirentes são plenamente informados de que a empresa organizadora da Associação não prestará garantia ou assistência técnica pelos eventuais vícios construtivos e estruturais, de forma que qualquer problema superveniente deverá ser absorvido pelos próprios associados/adquirentes?

Pois bem. Uma vez caracterizadas como fornecedoras, essas “Associações Pró-Construção” somente poderiam negociar unidades autônomas após o arquivamento, no competente cartório de registro de imóveis, do Memorial de Incorporação, nos termos do art. 32 da lei 4.591/19649, sob pena de sujeição às sanções penais previstas nos arts. 6510 e 6611 da Lei de Incorporações, por tratar-se de matéria de ordem pública, cujo bem jurídico tutelado é a economia popular.

Com efeito, somente o registro do Memorial de Incorporação confere fé pública registral, assegurando aos adquirentes a legítima confiança sobre a idoneidade do incorporador para captação dos recursos, execução da obra, entrega das unidades e liquidação do passivo da incorporação, e ainda, é nesse documento que se encontra a perfeita e pormenorizada descrição do empreendimento e das unidades, com o seu respectivo orçamento e cronograma físico-financeiro.

Nessa quadra, entendendo que as “Associações Pró-Construção” são, na verdade, incorporadoras, essas seriam obrigadas a responder pela qualidade, solidez e habitabilidade dos empreendimentos, obrigando-se a reparar, as suas próprias expensas, eventuais vícios construtivos, e, ainda, fornecer a devida assistência técnica aos adquirentes durante todo o período legal de garantia, assumindo exclusivamente a responsabilidade civil perante os adquirentes, terceiros e coletividade.

No que toca à matéria de ordem econômica e tributária, Incorporadoras travestidas de “Associações Pró-Construção” não recolhem devidamente os impostos municipais, estaduais e federais aplicáveis a qualquer incorporadora – o que caracteriza prejuízo aos cofres públicos – e, ainda, violam a ordem econômica e concorrencial, cujo bem jurídico tutelado é a coletividade em si considerada12. 

A outro giro, nesse modelo de negócio, repisa-se, nas hipóteses de incorporadoras disfarçadas de “Associações Pró-Construção”, não há o correto recolhimento dos emolumentos cartoriais, o que impacta no orçamento do Poder Judiciário, especificamente no aprimoramento intelectual dos servidores e magistrados, e, ainda, na ampliação e construção de prédios, aquisição de equipamentos e investimento em tecnologia, ou seja, na melhoria constante dos serviços disponibilizados à coletividade, nos termos das legislações estaduais. 

Ainda, as “Associações Pró-Construção” que promovem a oferta pública de unidades imobiliárias autônomas e futuras, aproximando clientes travestidos de “associados” e intermediando negócios imobiliários, sujeitam-se, em alto grau de risco, a incorrerem na contravenção relativa à organização do trabalho, consubstanciada no exercício ilegal da atividade de corretor de imóveis e violação da lei 6.530/1978. 

Assim, não se trata de “um novo modelo de negócio”, muito pelo contrário, essas “Associações Pró-Construção” tentam fazer uma remontagem do cenário caótico que precedeu a edição da lei 4.591/1964, em que os promotores do empreendimento atuavam sem limitações legais e sem assumirem os riscos do negócio, “nadando livremente neste mar sem controle”13, contudo, com pequenas alterações, consubstanciadas na transferência dos riscos do negócio aos adquirentes, viabilizada mediante adesão a “Associações Pró-construção”, sem prévio registro de Memorial de Incorporação, em flagrante violação das normas de ordem pública instituídas pela Lei de Incorporação Imobiliária. 

Por fim, a matéria é extensa e seus efeitos ultrapassam a esfera privada e as relações firmadas entre os associados/adquirentes e as “Associações Pró-Construção”, de modo que resta imperiosa a atuação dos órgãos de controle, entidades de classes, poder público e toda a sociedade para identificar as burlas e fraudes, submetendo os responsáveis às medidas apuratórias e sancionatórias nas esferas administrativa, controladora e judicial.

Referências bibliográficas
Sem problemas, desde que cite o link: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-edilicias/350992/incorporadoras-imobiliarias-travestidas-de-associacoes-pro-construcao

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